Alguns anos atrás tivemos conhecimento de uma proposta, supostamente técnica, garantindo a permanente transparência das águas da Lagoa Misteriosa/Jardim-Bonito-Serra da Bodoquena/MS, ou seja, não haveria mais o periódico turvamento da camada líquida mais superficial, na época atingindo 18 a 20 metros de profundidade, coincidentemente nos meses de verão, portanto com maior fluxo de turistas. A necessidade desse trabalho seria oferecer aos mergulhadores e observadores de superfície a comodidade de ter-se sempre uma total transparência nessas águas, isso a qualquer época do ano.
Ficamos preocupados com essa proposta, visto estarmos já algum tempo estudando a dinâmica comportamental, no aspecto biogeoquimico, desse sistema aquático. Porém o alarde maior foi quanto ao perigo de se perder o interessante PORQUE da Lagoa Misteriosa, com relação a esse periódico turvamento, utilizando-se interessadamente de processos físicos e químicos artificiais, com o lançamento criminoso de produtos químicos (sulfatos) e aplicação de processos reguladores da temperatura da água.
Ora bolas, para nós isso seria alterar totalmente as originais características biogeoquímicas desse sistema natural aquático, por isso mesmo chamado de Lagoa Misteriosa, desde áureos tempos, sem antes conhecer e valorizar-se o maravilhoso e não tão misterioso processo da ocorrência normal e periódica do turvamento na camada mais superficial da massa líquida, justamente nos períodos de elevação de temperatura ambiente. Isso mesmo, ocorrência natural, considerando-se os aspectos biogeoquímicos da mesma.
Outro ponto que levantamos foi de observar-se um gradativo e preocupante aumento na profundidade da camada superficial que se turvava. Na ocasião, media-se a partir da superfície, uns 18 metros, notando-se um aumento gradativo dessa profundidade.
Vejamos então,…espera ou esperava-se quando em processo biogeoquímico ou dinâmica natural desse sistema, a dependência aos fatores climáticos da região, em especial o seu regime hidrológico, compartilhado com o regime pluviométrico, as específicas médias na temperatura ambiente, apontando-se a influência do entorno da referida lagoa (Lagoa Misteriosa), cercada primariamente, (anteriormente) por vasta vegetação, além da típica pressão atmosférica e altitude local e dos deslocamentos dos ventos barrados parcialmente pela composição arbórea primitiva, no seu entorno, etc. Tudo isso aliado as particulares características geomorfológicas da área e do comportamento hidrológico aos quais estava relacionada com toda a região.
O mais importante seria a referência e dependência da alta presença de formações carbonáticas, orientando a elevada alcalinidade e dureza das águas, com a formação de compostos facilmente solúveis, como os bicarbonatos, constantemente alternados com os insolúveis carbonatos e hidróxidos, o que mantinha suas águas num pH mais elevado (alcalino), desacelerando os processos de dissolução e decomposição da matéria orgânica, por ora ali lançadas. Tal processo facilitava ou facilita a rapidíssima deposição desse material orgânico, garantindo a maior transparência nas águas, isso por serem aglutinados, ou melhor, adsorvidos pelas particular minerais, acarretando o maior peso das mesmas e então por gravidade uma maior velocidade de deposição. Daí a rapidez da volta à transparência das águas.
Em águas de “pH” pouco mais elevado, formam-se na superfície das finíssimas partículas de areia, de silte, de argila ou mesmo partículas orgânicas as “cargas externas, positivas e/ou negativas”.As partículas com cargas superficiais positivas, então nos carbonatos e hidróxidos, sofrem atração ou atraem as partículas de cargas superficiais negativas, essas formadas nos dispersos orgânicos e coloidais. Como se diz: cargas contrárias se atraem e se agregam.Com isso tem-se a “neutralização das cargas externas” e pelo aumento do peso dessas finíssimas partículas agrupadas, tem-se uma velocidade maior de decantação ou sedimentação, conferindo assim à total ou quase total transparência nas águas. Esse fenômeno ocorre por menores que sejam as partículas.
Mas isso não estava ou esta ocorrendo, visto quando da alteração na temperatura ambiente, influindo primeiramente na temperatura da camada mais superficial dessa massa líquida, ou melhor, na elevação dessa por uma maior incidência dos raios solares. É a quebra da natural dinâmica comportamental acima descrita, justamente durante o período de maior calor, ou seja, coincidentemente no período de verão, ou ainda no período de maior fluxo e procura dos turistas ou megulhadores. O fato é ou era que, todo o espaço de entorno da Lagoa Misteriosa, sofreu ou vem sofrendo intenso processo antropogênico, (derivado de atividades humanas), como a derrubada da vegetação e abertura de campos.
Tem-se com isso: a maior incidência dos raios solares; a elevação da temperatura; a falta de zonas ou espaços sombreados; a alteração dos processos biogeoquímicos; a formação e permanência num tempo maior das partículas carbonáticas (Ca/MgCO3) flutuando; a não ocorrência ou diminuição na formação dos adsorvidos minerais/orgânicos, acarretando um tempo maior para que os mesmos sofram deposição, por estarem mais leves ou menos pesados, a princípio.
Ou seja, esse transtorno foi simplesmente acarretado pelo aumento da temperatura nesse micro clima ou ambiente específico. Daí o aparecimento e formação cada vez maior da uma camada superficial líquida, cada vez mais turva e mais profunda.
A solução sugerida na época foi aumentar e preservar a densidade arbórea junto ao entorno da Lagoa Misteriosa. Simples não!
Autor: Professor Helcias Bernardo de Pádua
Biólogo-C.F.Bio 00683-01/D; Conferencista em “Qualidade das águas”; Especialista em Biotecnologia-C.R.Bio 01; Analista Clínico – Hosp.Clínicas SP; Professor de Biologia e Ciências-L-94.718-DR 5 – MEC, desde 1975; Consultor, professor e colunista; Memorista-AGMIB/Assoc. Grupo de Mem. do Itaim Bibi/SP; Graduando em Jornalismo/FaPCom